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Não estamos sós: Não estamos sós; Não, estamos sós. Não estamos sós... Não! Não estamos sós?


Sou tantas minorias e não preciso juntá-las para saber que dentro deste significante – minoria - existe e insiste uma potência capaz de romper as estruturas perversas de qualquer maioria. Sei que parece estranho o que estou a escrever. Tenha calma, continue...

Não quero falar do lugar do discurso científico. Não quero escrever sobre teorias e teóricos. Quero compartilhar uma experiência no sentido mais visceral possível.

Caminhei por muitas estradas deste Brasil afora. Morei em algumas cidades e estados brasileiros. Fui para múltiplos congressos, simpósios, colóquios, seminários, encontros e por aí vai. Estudei na Universidade Federal onde há o maior número de pessoas negras cursando o ensino superior – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - meus colegas de salas eram, muitos deles, da mesma “tribo” minha: classe social e étnica. Minha formação foi atravessada por discussões sobre o impacto do racismo na constituição subjetiva. Vivi e ainda vivo, como qualquer negro deste planeta, múltiplas experiências racistas. Umas mais explícitas, outras típicas do jeitinho brasileiro ou em outras palavras, velada e naturalizada por muitos. Ser negro em nenhum lugar geográfico é fácil. Por isso, ser negro em nenhum lugar psíquico também será fácil. Quando nós, negros, vamos comprar um produto e não nos reconhecemos nas vitrines, revistas, outdoor. A ausência do negro nas propagandas brasileiras não é porque o negro não compra. Não é porque o negro não é belo. A publicidade é um dispositivo definidor, pois além de ofertar invenções e serviços para a sociedade consumista, induz a essa a seguir a toda e qualquer forma de valores que ela mesma impõe. Um boneco negro ser dado para uma criança negra é um ampliador na construção de referência para aquele pequenino ser.

Certa vez, pude sentir a felicidade inocente e empolgante de uma criança quando fica na expectativa de ganhar um brinquedo. Fui para um evento internacional da minha categoria profissional. Evento que estava organizando. Na cidade do Recife. Minha empolgação de nada diferenciava das crianças ao entrarem num playground. Mas em um momento meu olhar percorreu a plateia lotada do salão. Fiz como nós negros fazemos no momento em que olhamos as vitrines e como nós, crianças negras, ao desembrulhar um presente e ganhar um boneco: Eu estava feliz. Feliz como o sujeito fica por encontrar a roupa desejada na vitrine. Feliz como a criança fica por ter seu Batman para brincar. Poderia simplesmente emitir um sorriso de contentamento, de dever cumprido. Afinal, o processo de organização foi um trabalho árduo. Ter, aos meus olhos e para os meus olhos aquele salão lotado. Pura sensação de dever cumprido. Poderia ir para meu lar, como a pessoa que comprou seu produto. Poderia entrar no meu quarto na felicidade da criança que ganhou seu novo amiguinho tão esperado. Mas algo estava errado.

O que estava errado? Não tinha ali, do meu lado todos os colegas profissionais... Não estava a compartilhar a cumplicidade teórica entre os iguais. Com a mesma afinidade intelectual e acadêmica? Sim! Eu estava.

Mas ali naquele salão repleto de mentes pensantes do mundo afora, eu era o único negro. Eu estou a falar contigo, indiretamente por meio deste texto. Estou a gritar com vocês! Não somos Aliens. É muito violento ser atravessado por essa solidão. Não há solidão maior do que está cercado por muita gente e não se sentir igual a nenhum deles. Realmente, Nelson Rodrigues hoje compreendo você: “Não há na Terra ninguém mais só do que o nosso preto. Um esquimó tem a companhia de meia dúzia de outros esqui­mós. Mas a solidão do negro brasileiro não tem nem a compa­nhia do próprio negro.”

O carinha negro comprou a roupa, mas não viu seu reflexo no produto. A criança negra ganhou o boneco, mas não tem o brinquedo representando sua imagem. Eu, também negro, construí um congresso internacional, mas não tenho meus iguais participando. Eu sei que não estou só. Mas a solidão de ser o único em muitos espaços deixam os olhos molhados. É, enquanto continuar assim... Não estaremos bem.


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