top of page

Porque o relacionamento entre duas mulheres É SIM um grande drama mexicano

Título longo, pois é. Não soa como sentença cruel, soa como constatação.

Antes mesmo de qualquer ideia do que viria no conteúdo do texto, esse título veio até mim em um desses meus devaneios sobre as relações humanas, sobre minhas paixões e decepções. O título veio pra encabeçar um assunto que eu sei muito bem como falar, apesar do engasgo.

O processo de me reconhecer como uma mulher que gostava de mulher foi longo, tortuoso, difícil mesmo. Não por mim. Na verdade se apaixonar, amar carrega suas dores e belezas naturais, se relacionar também, afinal se deparar com a singularidade do outro é espantoso ao mesmo tempo que encantador. O problema é a sociedade em que vivemos que, por motivos óbvios, faz com que nós (lésbicas/bis) tomemos posturas acuadas diante da nossa sexualidade. Continuamos sendo silenciadas ainda que corajosamente resolvamos nos relacionar com uma pessoa do mesmo sexo.

Sempre ouvi comentários generalizados a respeito do relacionamento entre duas mulheres. Normal generalizarem, não é? Não sei, me parece que otimiza o tempo. O problema é essa sentença que se propaga nesse generalismo e que aceitamos. Meus amigos (geralmente os gays - até porque amigos mal tenho amigos héteros homens) comentavam sempre do "famoso drama sapatão" e diziam, em contra partida, pra justificar de maneira boa ou não sobre como eles se relacionavam. Tudo muito mais prático, tudo muito mais volátil também, as vezes até mais superficial e, sem duvida, mais sexual.

Então eu, como boa observadora, passei a reparar os relacionamentos. Na realidade, eu nem gosto de categorizar as relações, mas essa categorização as vezes é necessária até mesmo para desconstruí-la. Faço uso dela agora, nesse propósito. A constatação foi clara, meio cruel e esclarecedora também: nós mulheres realmente nos relacionamos à la novela mexicana. E por que?

Segurança, ou melhor, falta dela.

Eu poderia até finalizar o meu texto por aqui e deixar isso reverberando na sua cabeça, mas eu vou desenvolver até porque eu escrevo para entender esse processo que observo e vivo a muitos anos da minha vida, desde quando pensei "merda, eu me apaixonei por uma garota e eu não sou um homem pra fazer isso se tornar possível em ações!". Eu já quis ser um homem, sim, porque homens podiam ficar com mulheres, homens não faziam nada em casa, homens não tinham que viver em função dos filhos, homens eram protegidos, logo, homens eram extremamente seguros.

Desculpem, rapazes, posso estar novamente generalizando afinal a insegurança não escolhe gênero para assombrar, mas em um deles ela é dada de presente, ao nascer, junto com o silenciamento, junto com a "mazela" da gravidez, da mestruação, da passividade obrigatória. Não somos seguras para dizer não, para nos permitimos novas experiências, para nos libertarmos sexualmente, para termos um relacionamento sem adoecer. O retrato do exagero, da preocupação, do ciúme, da loucura é sempre feminino, não é mesmo? Imaginem então, como seria juntar a minha insegurança de mulher (ser preta é um plus) com a de outra mulher.

Somos piores inimigas, amigas e mães uma das outras. Relacionar-se com uma pessoa extremamente insegura é difícil demais, bambeia tudo, fragiliza de um modo que pisar em ovos é um modo constante de tratar a outra pessoa. Pior ainda é quando a atmosfera da insegurança permeia totalmente essa relação. Por isso que sim, mulheres se fecham quando começam a namorar com outras mulheres, ficam inseguras com a presença de homens (se uma das duas for bi), sofrem com relações abertas ou poligâmicas e não sabem se aquele lugar é o lugar de colo ou o inferno.

A romantização parece não terminar, jamais. Tomamos ódio uma das outras quando existe algum episódio de "traição" (repensemos bem esse termo) ou paixão por outra pessoa e nada além da fidelidade (repensemos esse também) a uma só, presença total, cuidado e amor maternal são permitidos. Nos sacralizamos, sem perceber e essa sacralização sim é uma sentença cruel.

Como já ouvi de muitas garotas a respeito da sua primeira experiência com mulher: "com mulher é diferente", e é mesmo. Temos uma sensibilidade com o corpo da outra que se explica pelo fato de que sabemos como gostamos de ser tratadas e sempre idealizamos esse tratamento, mas a idealização pode parar por aí, porque até então ela já foi válida - e espero que um dia nem precisemos mais dela. No mais, sem idealismos, afinal o drama se dá justo porque somos mulheres, temos desejos, somos atravessadas, estamos propensas ao erro também, sem mais silenciamentos, sem mais amarras.

Eu penso muito sobre essa minha insegurança, sobre como o tempo inteiro as pessoas me dizem que vai ser difícil eu me relacionar com uma outra mulher, sobre como é torturante ver um cara ignorando quando estou com uma mulher e não se contentar só em dar em cima de mim mas também da minha companheira e ainda fetichizar a imagem do casal, em ter que esconder minha sexualidade não porque não estou bem com ela mas por medo de casos mais extremos de invasão e desrespeito como o estupro corretivo, em ser reprimida pelos outros quando tento demonstrar para uma mulher que estou afim dela sem antes saber a sexualidade dela (pra mim, afeto não é desrespeitoso), dentre outras coisas que só acuam dia após dia.

É diária essa luta de viver uma realidade com outra mulher sem drama, sem amarras, nos protegendo e também nos posicionando. Não se fala muito de como lésbicas se relacionam, somos esse mistério generalizado, fetichizado, mal encarado, porque a sociedade já não é feita para uma mulher ir e vir livremente, amar, ter voz, que dirá duas?



Thaina Farias é carioca, tem 22 anos, estudante de dança na UFRJ, preta, lésbica.


Posts Em Destaque
Verifique em breve
Assim que novos posts forem publicados, você poderá vê-los aqui.
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Nenhum tag.
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page