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Como o racismo afetou minha saúde mental

Bom, uma amiga minha me solicitou este texto e não fazia ideia de por onde começar. Foi ai que me veio em mente às palavras de um sábio tio: “Quando não souber o que fazer, comece do começo.”. Então vamos lá.

Antes mesmo de concluir a minha adolescência, eu já sofria depressão. Perdi meu pai, minha referência de homem, amigo, pessoa, na véspera do meu aniversário de 12 anos. É algo que nunca superei. Seu velório foi no dia do meu aniversário e preferi não ir. Não queria comemorar meu aniversário assistindo descerem meu pai em um buraco. Meu super-homem, caminhoneiro, forte, lindo e responsável, assassinado no exercício da função, como vários outros homens negros que saem para trabalhar sem saber se voltarão para casa. Eu, que já era uma pessoa fechada e com medo do mundo, me fechei mais ainda. Era triste não ter o meu herói para compartilhar coisas, consultá-lo nos momentos de indecisão e aprender com ele. Eu sou o filho mais novo de 3 irmãos (Uma 5 anos mais velha e outro 4 anos mais velho), e eles, que já tinham seu grupo de amigos definido, não tinham muito tempo pra mim. Fui cada vez mais me recolhendo em minha concha, enquanto a depressão vinha me abraçar mais e mais.

O racismo contribuía para o crescimento da minha depressão de forma grandiosa, mesmo que eu não pudesse detectá-lo como racismo. Lembro-me que depois de várias humilhações que passei durante a infância e a adolescência (destaque para uma delas que se trata de uma menininha branca e loira que de alguma forma descobriu que eu era apaixonado por ela, me humilhou no intervalo das aulas em frente a mais de 150 alunos, berrando o quão nojento era eu, negro e favelado, querer algo com ela, e que nunca teríamos nada pois eu era feio, negro, burro e etc.), eu já não tinha mais forças pra relutar. Fui simplesmente me ausentando das rodas de conversa e das brincadeiras, até que me tornei invisível aos olhos da grande maioria. Toda vez que tentavam brincar ou brigar comigo, tratava a situação como indiferente e essa indiferença era tão nítida que as pessoas me deixavam no meu mundo. Mesmo na fase final da adolescência, onde uma vez ou outra alguma menina se aproximava de mim por me achar bonito de alguma forma, era ignorada por eu simplesmente não querer nenhuma aproximação, além de não compreender que se tratava de uma mulher me cortejando, coisa que eu particularmente considerava impossível. Quem iria querer beijar ou se envolver com um negro feio e estranho leia-se depressivo?

Imaginem a seguinte cena: Um homem negro acompanha um amigo branco e ambos estão a caminho de uma festa. O amigo branco pede ao amigo negro que o acompanhe antes em um luau que foi organizado por alguns amigos dele. O negro diz é melhor não, mas o branco insiste e diz que será rápido. O negro concorda. Chegando lá, o negro percebe que ele é de fato o único na festa e isso faz com que ele se sinta um pouco desconfortável, mas ele consegue se convencer de que isso é algo da cabeça dele. 20 minutos depois da chegada deles, a polícia aparece no lugar e percebe que grande parte das pessoas usaram drogas ilícitas. A polícia revista apenas o negro, faz algumas perguntas a ele, e mesmo ele dizendo que não possui e nem utiliza ou utilizou drogas, a polícia o algema por achar que ele seria o traficante, enquanto todas as outras pessoas foram completamente ignoradas pela polícia. As pessoas se revoltam e alguns filhos de pessoas teoricamente poderosas conversam com os policiais e conseguem convencer a polícia de que o rapaz negro é inocente. Vão embora como se nada tivesse acontecido. Depois deste dia, o rapaz negro não conseguiu sair de casa por um bom tempo, tamanha a dor do trauma que sofreu e que surpreendentemente foi maior do que a soma de todas as outras situações pérfidas que passou envolvendo a polícia. Esse rapaz sou eu.

A partir do momento em que nos descobrimos como negros e negras e entendemos como o racismo opera, se inicia o que eu acho de a primeira fase da autodescoberta. Eu costumo dizer que é a Fase do ódio. É nesta fase em que o negro ou a negra percebem como foram, são e ainda serão vítimas durante a sua vida inteira, e que a maior parte das coisas pelo qual passaram e que o colocaram para baixo, tem um cunho racial. Dentro da minha experiência, passei a me recordar de vários acontecimentos e detectar o racismo neles, as “brincadeiras” de cunho racial que até então para mim eram só brincadeiras, passaram a me machucar da pior forma possível, por entender o racismo contido nelas. Com isso, passei a enxergar o racismo em tudo porque de fato ele está em tudo. Esse evento, para a maioria de nós, na maioria dos casos desencadeiam dois efeitos diferentes: Ou a pessoa se revolta de forma tão grande que toma isso como motivação para vida e começa a lutar contra tudo de forma ativa, ou a pessoa se fecha ainda mais por achar que não tem força suficiente pra lutar contra tantas mazelas geradas pelo sistema racista em que vivemos. Bom, eu já era depressivo nesta época, e isso só fez piorar. Porém, através desta identificação, comecei a me relacionar com pessoas negras mais conscientes, inteligentes e corajosas que eu. E só posso destacar aqui o quão importante é a união entre irmãos e irmãs africanas ou em diáspora. Só a nossa união e nossas ações tomadas através do direcionamento africano podem de fato nos livrar do eurocentrismo, que tem causado depressão em nossos irmãos e irmãs desde a formação deste país racista em sua essência, que defende os interesses da branquidão com unhas e dentes.

Quero destacar aqui também, a importância de estarmos abertos não só para ajudarmos irmãos e irmãs depressivas, mas também a essencial atitude de enxergar isso, tanto no outro quanto em nós mesmos. É imprescindível que tenhamos esse tato e que possamos aguçar nossa visão para o irmão e irmã ao lado. Ao assumirmos que somos doentes pelo nosso contato com esta sociedade moldada para nos escravizar, usar e exterminar, e que não cansa de se reciclar para manter a viseira política e social que vestem em nós desde o nosso nascimento. Devemos entender que mais importante que lutar pelo racismo, é despertar outros negros e negras para tal. Malcolm X disse: ”O maior erro de qualquer movimento é tentar mobilizar pessoas que estão dormindo. Você deve primeiro despertá-las”. Ninguém busca um tratamento contra a depressão sem saber da existência dela, e cabe a todos nós essa atenção no reconhecimento e na ajuda deste processo de superação dos nossos.

Ubuntu!


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